Baixíssima intensidade e padronização de comportamentos

Foto: Jefferson Botega/Agência RBS
Atlético-MG e Grêmio chegaram à final da Copa do Brasil por motivos diferentes. Enquanto os mineiros dependem muito de suas excelentes individualidades, que decidem jogos e mascaram a fragilidade coletiva da equipe de Marcelo Oliveira, os gaúchos possuem um padrão consolidado, legado do trabalho de Roger Machado, que Renato Portaluppi soube, com muitos méritos, aproveitar. Esses fatores ficaram evidentes no primeiro confronto da decisão, em que o tricolor gaúcho teve amplo domínio e, com autoridade, construiu os 3 a 1 que o deixam muito próximo da quebra do jejum de 15 anos sem títulos de grande expressão.

Com setores distantes e baixíssima intensidade na marcação, o Atlético foi refém do jogo de posição do Grêmio no primeiro tempo. A saída de bola de bola dos comandados de Marcelo Oliveira era ineficiente devido ao distanciamento entre o quarteto ofensivo e o restante da equipe: não existia aproximação e movimentação para quebrar as linhas do Grêmio. Assim sendo, o único recurso do galo era o lançamento longo e a briga pela segunda bola. Entrementes, a marcação do Atlético era pouco intensa. Maicosuel, Cazares e Robinho não recompunham, deixando tanto os volantes quanto a última linha defensiva eminentemente exposta, e não havia maior pressão no portador da bola, dando aos gremistas tempo e espaço para circulá-la com qualidade na intermediária ofensiva.

Por outro lado, o Grêmio exerceu com excelência o seu modelo de jogo, herança do trabalho do ótimo Roger Machado e baseado no jogo apoiado e nas triangulações. Há um entendimento coletivo muito bom, e percebe-se que os comportamentos estão enraizados nos atletas. Quando Luan sai da referência para flutuar em diferentes faixas do gramado, sempre alguém ocupa o espaço vazio deixado pelo camisa 7. Esse movimento é fundamental para que a equipe tenha profundidade, mantendo a última linha do adversário presa e dando melhores condições para que, com o suporte de Walace e Maicon, a troca de passes em campo ofensivo seja bem sucedida.

Todos esses fatores ficaram muito bem ilustrados no primeiro gol do Grêmio (imagem abaixo). Após errar passe, Cazares, ao invés de recompor e ajudar a fechar a segunda linha de marcação, corre desordenadamente atrás da bola. Maicosuel também não recua para ocupar espaço, e o Atlético se defende com apenas 6 jogadores. Os volantes, Leandro Donizete e Júnior Urso, não agridem o portador da bola, deixando a a última linha exposta e permitindo aos gaúchos circular o esférico com liberdade. Pedro Rocha ocupa o setor que inicialmente é ocupado por Luan e se projeta, em profundidade, no espaço vazio, recebendo ótima enfiada de Maicon, cortando Gabriel e abrindo o placar no Mineirão.

Cazares e Maicosuel não recompõem e os volantes não agridem, dando liberdade para Maicon acionar Pedro Rocha, em profundidade, no espaço vazio.
O segundo gol gremista também foi resultado da pouca intensidade defensiva do Atlético, que foi absurdamente passivo ao permitir que Pedro Rocha arrancasse da intermediária e chegasse com facilidade à frente de Victor. Fosse o futebol um jogo menos complexo e dependente do fator humano, o Grêmio possivelmente manteria o controle do jogo e ampliaria o placar. Contudo, a expulsão infantil de Pedro Rocha, que foi de herói à vilão em poucos minutos, alterou o panorâma da partida, que teve os atleticanos atacando mais a partir do ímpeto do que da organização. Nesse viés, foi natural o gol de desconto do galo, marcado por Gabriel - e oriundo de bola parada, "tendão de aquiles" dos gremistas na temporada, que Renato buscou consertar por meio da simples marcação individual -, bem como o terceiro tento gremista, em contra-ataque puxado pelo excepcional Geromel e concluído por Everton.

Nesse momento é preciso enaltecer a humildade de Renato Portulappi, que reconheceu e preservou o padrão incorporado por Roger, o qual é acrescido, agora, por uma maior intensidade defensiva. Também é necessário ressaltar a vivência e idolatria do atual treinador tricolor, que em momentos decisivos tem grande influencia pela capacidade de gestão do grupo e pela identificação com o clube. Do outro lado, a desastrosa atuação do Atlético foi reflexo de um trabalho - em termos táticos e organizacionais - muito ruim de Marcelo Oliveira, que agora culmina na sua demissão, contestável pela altura da temporada em que ocorre, mas pautada em um time cujo desempenho coletivo ficou muito aquém de sua capacidade individual.

Dado o contexto, o Grêmio está muito perto de conquistar a Copa do Brasil. Em um país no qual raramente vemos continuidade de trabalho, o mérito do tricolor gaúcho, apesar da relevante troca de comando do meio do ano, reside na manutenção de uma ideia de futebol, que padroniza comportamentos e faz com que os comandados de Renato Portaluppi atuem com naturalidade, conduzindo o clube a uma conquista longamente aguardada.

Comentários

  1. Gostei do "Em um país no qual raramente vemos continuidade de trabalho", serve para várias instâncias, e é o que mais se vê no futebol. Belos comentários!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

"Gegenpressing" - Um dos principais conceitos do futebol moderno

"A Pirâmide Invertida", de Jonathan Wilson

As variações de Tite