Alemanha e sua aula de propor o jogo

Foto: globoesporte.com
Recentemente escrevi aqui no blog sobre o livro "Gol da Alemanha", que debate a transformação pela qual o futebol alemão passou até a conquista da Copa de 2014. Um trabalho a longo prazo, que primou pela formação de atletas com boa capacidade técnica e tática, em contraponto à tradição germânica de um jogo mais direto e físico. E, não bastasse os 7 a 1 e o tetracampeonato no Brasil, ao que tudo indica nosso algozes do Mineirão ainda colherão muitos frutos desse excelente trabalho que iniciou há mais de uma década.

Após uma Eurocopa consistente, que só não terminou em mais um título pela efetividade da França de Griezmann na semi-final, a equipe de Joachim Löw estreou hoje nas Eliminatórias para a Copa do Mundo da Rússia. Repetindo o modelo de jogo praticado na Euro de dois meses atrás, a Alemanha venceu a Noruega com autoridade: 3 a 0, na casa do adversário. Contudo, mais do que o placar, foi a organização e o controle do jogo por parte dos alemães que chamou a atenção.

Dentre as seleções que pretendem propor o jogo, a Alemanha de Löw é quem tem as melhores ideias. Existe um padrão muito bem definido: jogo apoiado, laterais avançados dando amplitude, quarteto de frente jogando por dentro e saída de jogo com três jogadores - Kroos se junta aos zagueiros para distribuir a bola com qualidade. O modo com que a equipe ocupa o campo do adversário não só cria espaços para os jogadores rodarem bem a bola como dificulta a saída do rival: ao perder o domínio da redonda, os alemães pressionam rápido e impedem o contra-ataque.


A qualidade do jogo praticado pelos alemães fica ainda mais evidente quando avaliamos os números da partida: Contra a Noruega, a Alemanha teve 68% de posse de bola, finalizou 19 vezes (10 ao gol), acertou 93% dos passes e cometeu apenas 5 faltas. Se isso não é controlar a partida, não sei o que mais pode ser.

É importante frisar que tudo isso é fruto de dois aspectos em especial: a continuidade do trabalho de Löw, que está há 10 anos no comando da seleção, e a inteligência tática dos atletas, resultado do trabalho de formação citado anteriormente.

A execução de um modelo de jogo com esse nível de organização só é possível com tempo de trabalho, algo que raramente vemos no futebol brasileiro, por exemplo. Após tanta repetição, os atletas sabem exatamente o que devem fazer dentro de campo, como se posicionar, para quem passar a bola, etc.: Löw praticamente não precisa gesticular ou berrar à beira do gramado.

Por outro lado, ter atletas com a qualidade técnica e capacidade de ler o jogo como a dos alemães facilita muito no processo. A inteligência e jogo com os pés de Neuer, por exemplo, permite que a seleção jogue bem avançada, uma vez que sabe que seu goleiro estará atento na cobertura de eventuais contra-ataques. Também poderia citar a precisão de Kroos, a visão de jogo de Özil, o faro artilheiro de Müller, mas aí eu iria longe.

Toda essa exuberância técnica e organizacional dá à seleção alemã o luxo de poder perder jogadores importantes sem que lacunas sejam abertas. Foi o que aconteceu com Lahm em 2014 e Schweinsteiger agora. É o que chamamos de legado: um trabalho bem conduzido faz com que a qualidade prospere e se renove constantemente, tornando um país que até pouco tempo era ridicularizado por jogar de maneira "bruta" uma referência de futebol bem jogado.

Comentários

  1. Por em prática um esquema inteligente e eficiente conseguindo fazer isto com naturalidade, não dá margem para falha.

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