Guardiola, um revolucionário



Em qualquer área da vida, sempre existem referências que precisamos conhecer ao menos superficialmente para entender determinado tema. É assim com Einstein na física quântica, Jobs e Gates na computação e Da Vinci nas artes. É assim com Guardiola no futebol moderno.

Pode até soar exagerado, mas Pep é, de fato, um revolucionário. Em um futebol cada vez mais físico e de pouco espaço, ele teve a audácia de inovar, baseado em conceitos que, naturalmente, têm influências, mas que são, em grande parte, de sua autoria. Não bastasse o sucesso nos clubes em que passou - Barcelona, Bayern e agora Manchester City - a influência de Guardiola foi sentida no futebol mundial como um todo, tendo suas ideias repercutido no desfecho das Copas de 2010 e 2014 - afinal, a Espanha de Del Bosque e a Alemanha de Löw tiveram muito dos conceitos que Pep trabalhou exaustivamente no Barcelona e no Bayern.

Mas o que Guardiola faz que o diferencia tanto dos demais treinadores? É fato que ele tem uma capacidade criativa acima de média, mas muito do seu sucesso se deve ao inconformismo e trabalho incansável. Pep passa inúmeras horas dissecando seus adversários e estudando maneiras de fazer sua equipe jogar melhor. Uma ocasião que exemplifica tudo isso muito bem remete a quando o técnico reincorporou o famoso falso 9, colocando Messi na função em que o argentino acabou se consagrando como o melhor jogador do mundo. Era véspera de um Barça x Real pelo Campeonato Espanhol de 2008/2009, e Guardiola estava há horas pensando em maneiras de furar a defesa madrilenha no dia seguinte. Até que surgiu a ideia de colocar Messi entre as linhas do Real, de modo a gerar uma indefinição sobre quem deveria sair de sua posição de origem para marcar "La pulga". O resultado? Um Real Madrid atordoado, um show de Lionel e um sonoro 6 a 2 para o Barça, em pleno Santiago Bernabéu.

Pep tem ideias muito claras do que pretende que sua equipe faça dentro de campo. Seu repertório tático é esplendoro - um "prato cheio" para quem se interessa pelo assunto. O treinador quer a posse de bola para que a equipe exerça o "jogo de posição", que consiste na movimentação dos jogadores em espaços vazios, de modo a dar ao portador da bola a melhor opção de passe e, por consequência, dar continuidade à fluidez da troca de passes. Contudo, engana-se quem acredita que o "tiki-taka" seja uma marca de Pep. Na verdade, ele fica furioso quando atrelam seu estilo de jogo a esse conceito. "Tiki-taka", segundo o treinador, é passar a bola por passar, sem verticalidade, sem objetivo. Exatamente o contrário do que ele espera de suas equipes.

Se Guardiola tem alguma falha, talvez esta seja a de trabalhar com atletas que exitam em aderir à sua causa e (ou) não se encaixam em seu estilo de jogo. Foi o que aconteceu com Yaya Touré no Barça, Mandzukic no Bayern e mais recentemente Hart no City. Pep não faz questão de adaptar determinados jogadores às suas ideias, e, consequentemente, vai ao mercado sem restrições para contratar jogadores que lhe agradem mais. Por outro lado, ele é extremamente gentil e paciente com quem tem potencial e vontade para executar o futebol que lhe agrada: vários são os jogadores que rasgam elogios ao técnico.

Tudo isso - e muito mais - está no excelente livro "Guardiola Confidencial" (Martí Perarnau, Editora Grande Área, 408 páginas), que acompanha a 1ª temporada do técnico no Bayern de Munique. A época pode até ser outra, mas as convicções e o trabalho de Pep estão lá. Trata-se de uma leitura imprescindível para quem deseja entender mais do brilhante treinador e, por consequência, compreender melhor o futebol moderno.

Comentários

  1. Em todo esporte de ponta a inovação faz a diferença, basicamente porque surpreende os adversários que forçosamente levam um tempo para preparar seus antídotos. Parece ser a principal característica do Guardiola.
    Belo texto e enfoque!

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