"A Pirâmide Invertida", de Jonathan Wilson
Com tradução de André Kfouri e lançamento pela Editora Grande Área, chegou recentemente às livrarias a versão brasileira de "A Pirâmide Invertida", do jornalista inglês Jonathan Wilson. Publicado originalmente em 2008, o livro se encarrega da árdua e nobre missão de contar a história das táticas, desde os primórdios do futebol no Reino Unido, ainda no século XIX, até a modernidade de Pep Guardiola e cia.
Essa tarefa grandiloquente e arriscada de percorrer quase um século e meio de uma história composta por dezenas de países e centenas de personagens é muito bem sucedida pelo embasamento e capacidade de Wilson de encadear os fatos e conduzir o leitor pela evolução do esporte mais popular do mundo. Partindo da "pirâmide", ou 2-3-5 - o primeiro sistema organizado do futebol -, trilha-se um caminho em que diversos fatores, incluindo cultura e política, tiveram influência para que os esquemas se tornassem mais conservadores, com apogeu no 5-3-2, que representa a "inversão da pirâmide" que dá nome ao título.
Carlos Bilardo, técnico da Seleção Argentina campeã mundial em 1986, é figura importante na fase final desse processo. Ao consagrar o 3-5-2, utilizado em parte para favorecer o talento de Diego Maradona, ele encaminhou, na prática, a inversão definitiva da pirâmide, considerando a tênue linha existente entre o 3-5-2 e o 5-3-2. Além disso, sua richa com César Luís Menotti, antecessor no comando da albiceleste e campeão mundial em 1978, foi o ponto máximo da eterna discussão entre românticos e pragmatistas - aqueles que prezam pelo "jogo bonito" e aqueles que só se interessam pelo resultado, respectivamente.
Sobre esse assunto, Wilson dá algumas pinceladas ao longo do livro, usando principalmente a Inglaterra como exemplo de pragmatismo cético que impede a evolução. Ele deixa claro, contudo, que não existe uma maneira correta de jogar: "Sim, sob os pontos de vista emocional e estético, prefiro os passes de Arsène Wenger ao pragmatismo de José Mourinho [...], mas essa é uma escolha pessoal; não quer dizer que um esteja certo e o outro errado". De fato, os inúmeros personagens dissecados na obra confirmam que não existe uma única maneira de jogar que levará ao sucesso: tanto os românticos quanto os pragmáticos já conquistaram o mundo, o que reitera a complexidade e a incerteza que torna o futebol tão apaixonante.
Entretanto, se formos falar de legado, os grandes treinadores da história foram aqueles que, ao invés de se ater somente à busca ferrenha e descontrolada pela vitória, buscaram inovar a partir de contextos que favoreciam essas mudanças. São os casos de Valeriy Lobanovsky, Rinus Michels, Johan Cruyff, Arrigo Sacchi, Marcelo Bielsa e Pep Guardiola - apenas para citar os mais influentes no futebol moderno. Tratam-se de figuras de personalidade forte, por vezes rechaçadas pela mídia e pelo público em geral, mas que contribuíram muito para a evolução do futebol.
Ao longo das mais de 400 páginas, Wilson não deixa de analisar, com relativa profundidade, as grandes seleções da história, como a Hungria de 54, a Holanda de 74 e, é claro, o Brasil de 70. Aliás, além da equipe tricampeã mundial no México, cujo êxito o autor compara à chegada americana à lua, há um capítulo dedicado especialmente ao futebol brasileiro. É intrigante notar os evoluídos conceitos táticos que o Brasil apresentava na época da conquista de 58: enquanto a maior parte do mundo ainda jogava no WM, sistema incorporado por Herbert Chapman no Arsenal na década de 20, o Brasil foi à Suécia atuando no 4-2-4, com ponta de lança e consciência de marcação por zona.
No epílogo desta edição atualizada e traduzida, Wilson sugere que, devido à tecnologia e à analise de desempenho, o futuro dificilmente reservará alguma grande revolução tática no futebol. Todavia, como atesta a recente "reinversão da pirâmide" feita por Guardiola e a tendência atual de formarem-se jogadores multifuncionais, o futebol permanecerá progredindo. Cabe a nós acompanhar e analisar a continuação dessa história magistralmente contada em "A Pirâmide Invertida".
A história do Futebol se mistura com a própria evolução da humanidade nos últimos 150 anos, tendo suas grande mudanças ligadas à contextos, momentos.
ResponderExcluirMesmo não sendo um aficionado parecem fascinantes essas facetas comentadas pelo Nícolas. E que siga evoluindo!