Quando uma equipe alcança a maturidade - e quebra paradigmas


Um dos desafios mais difíceis para um treinador de futebol é fazer sua equipe atingir o que dá para chamar de "maturidade futebolística". Isso significa, em outras palavras, conhecer e confiar na execução de um modelo de jogo, não se abalando com intempéries que venham a acontecer durante uma partida. Nesse sentido, o trabalho de Tite na seleção brasileira impressiona. Contra o Uruguai, em Montevideo, seu Brasil atingiu um patamar de maturidade que está no DNA de equipes vencedoras e muito difíceis de serem batidas. Sair perdendo logo cedo, após falha individual, na casa do tradicional adversário, exigiu dessa seleção algo inédito, que foi superado por meio de excelente postura anímica e confiança na execução de um modelo já padronizado.

O erro de Marcelo, que resultou no gol de pênalti de Cavani, ofereceu ao Brasil o momento mais difícil da Era Tite. Foi o pior início de jogo possível para o escrete canarinho, enfrentando um adversário que, embora sem grande brilho técnico, é muito competitivo e tinha 100% de aproveitamento dentro de casa nas Eliminatórias. Entretanto, a seleção brasileira teve o mérito de não se abalar emocionalmente: manteve a postura, continuando a executar com naturalidade a proposta de jogo apoiado, com triangulações e pressão no portador da bola. É claro que, por outro lado, o tento animou o Uruguai, que conseguia organizar contra-ataques e assustava em faltas laterais. Mas, tal qual a de Marcelo, a falha de Arrevalo Rios, que deu passe bizonho para a lateral, custou muito caro ao Uruguai, que viu Paulinho acertar um belíssimo chute de fora da área após receber de Neymar. A alteração proposta pelo mítico Óscar Tabarez, que passou a espelhar o 4-1-4-1 de Tite, pouco alterou o cenário da partida. Ainda que apenas uma chance clara tenha sido criada por cada equipe até o final da primeira etapa - Casemiro e Coates quase marcaram após jogadas de bola parada -, a sensação era de que, com o controle da posse de bola e as troca de passes em campo ofensivo, o Brasil poderia chegar ao gol a qualquer momento. Foi o que, de fato, aconteceu após o intervalo. Roberto Firmino, o substituto de Gabriel Jesus, recebeu de Coutinho, girou sobre a marcação e chutou com a perna esquerda. Martin Silva deu rebote, e lá estava Paulinho, que apenas conferiu para o gol. Continuando a marcar alto e controlando muito bem a bola longa, forte característica uruguaia, a seleção brasileira teve nas iniciativas pessoais de Neymar uma grande arma ofensiva. Quando o coletivo está ajustado, sobra espaço para que os craques decidam. Foi o que o camisa 10 da seleção fez no antológico gol por cobertura, após uma exibição que já contava com uma assistência e inúmeras arrancadas e vitórias pessoais no 1 contra 1. Outro aspecto destacável nessa equipe brasileira é a manutenção do desempenho durante os 90 minutos. O Brasil raramente tem momentos de instabilidade, o que é conseguido através de alto nível de concentração e de preparo físico. O que ratifica isso é o fato de Tite só mexer na equipe após os 30, 35 minutos do segundo tempo - raramente há reparações individuais ou coletivas a serem feitas. Esse fator foi determinante para que a seleção pouco sofresse nos 15 minutos finais, conseguindo neutralizar um Uruguai que tinha na bola aérea com Cavani e com os recém entrados Stuani e Abel Hernandez sua principal arma ofensiva - bem controlada pelo setor defensivo brasileiro. Com o fôlego e a obsessão ofensiva que lhe são característicos, o Brasil ainda fechou o placar com Paulinho, que aproveitou cruzamento de Daniel Alves e, com o peito, completou o hat-trick. Essa atuação de Paulinho, aliás, serviu para nos mostrar o quanto devemos ter cautela ao criticar as decisões de treinadores, especialmente de alguém com convicções tão certeiras quanto Tite. Sem dúvida, a presença de Paulinho na seleção é a mais contestada pela mídia e público em geral, especialmente por ele atuar em uma liga alternativa como é o campeonato chinês. É preciso entender, contudo, que a) Todos técnicos gostam de ter os chamados "jogadores de confiança" por perto; b) A função de "meia-interior" é escassa no futebol brasileiro; c) Como escreveu recentemente o jornalista André Rocha, não basta apenas escolher o melhor jogador: é preciso "imaginá-lo dentro da engrenagem. Com sabedoria e sempre pensando no coletivo." O legal dessa campanha irrepreensível de Tite na seleção brasileira, que agora chega a 7 vitórias em 7 jogos, é que ela desmistifica inúmeros paradigmas que cercam o futebol brasileiro. Assim como na questão Paulinho, muitas opiniões retrógradas e/ou infundadas circulam, como a diminuição da importância de um técnico na formação de uma equipe, como a necessidade da presença de um "10 clássico" (quem faz essa função na seleção de Tite?), entre outras ideias que precisam ser superadas para que o nosso futebol como um todo cresça junto com a seleção brasileira.

Comentários

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  2. Entre os vários destaques já comentados ressalto a importância do ótimo coletivo que possibilita que as qualidades individuais se sobressaiam, exemplo também da grande atuação do Neymar.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

"Gegenpressing" - Um dos principais conceitos do futebol moderno

"A Pirâmide Invertida", de Jonathan Wilson

Análise: Cruzeiro 1(3) x (2)0 Grêmio